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Espaço de diálogo e socialização das diversas iniciativas realizadas no âmbito de ações e projetos da Universidade Federal do Pará, dando visibilidade aos movimentos de mudança e alargando para novas idéias e laboratórios de criatividade e cidadania. Pretende-se construir um ambiente interativo de partilha, que permita a disseminação de uma cultura da sustentabilidade, economia solidária e responsabilidade social.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012




O jornalista André Trigueiro não
para. Entre palestras, as aulas no curso de jornalismo ambiental, idealizado
por ele, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), a apresentação do Jornal
das Dez e a chefia da edição do premiado Cidades e Soluções, ambos da Globo
News, o jornalista está lançando seu quarto livro Mundo Sustentável 2 – novos
rumos para um planeta em crise (editora Globo Livros, R$ 44,90).

Nas 400 páginas de papel reciclado
certificado, é possível encontrar reportagens do jornalista veiculadas na Globo
News e na Rádio CBN, artigos publicados em diversos veículos de comunicação,
além de textos inéditos de diversos especialistas, entre eles, nomes como
Adalberto Veríssimo, Roberto Schaeffer, Samyra Crespo, Sérgio Abranches e
Suzana Khan.


Programado para ser uma atualização
do livro Mundo Sustentável: Abrindo espaço na mídia para um planeta em
transformação, a publicação vai além ao abordar os desafios da maior crise
ambiental da história da humanidade. Para Trigueiro, o livro está mais bem acabado
do que o primeiro. “Superou as expectativas”, afirma. Os direitos autorais da
obra foram cedidos para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que completa 50
anos de serviço voluntário de apoio emocional e prevenção do suicídio.


Nessa entrevista, concedida por
telefone ao EcoD, o jornalista fala sobre o livro e ainda sobre as expectativas
da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o
avanço da consciência socioambiental na política e no jornalismo, a liderança
internacional do Brasil na questão ambiental e os principais desafios da área.


EcoD: No dia 6 de janeiro, você
lançou publicamente o seu quarto livro. Como foi a receptividade?


André Trigueiro: Foi fantástica, uma tsunami verde de gente, de todos os matizes
ideológicos, políticos e espirituais. Esse evento demonstrou que a
sustentabilidade consegue aglutinar forças que não são propriamente iguais. Mas
que não são opostas por isso, são apenas diferentes.


EcoD: O livro é uma coletânea de
artigos seus e teve a participação de 35 especialistas. Como foi o processo de
produção?


Trigueiro: O projeto original era para ser uma edição revista e atualização do
livro Mundo Sustentável: Abrindo espaço na mídia para um planeta em
transformação, lançado em 2005. Ano passado, me chamou a atenção que o livro
ainda estava em catálogo e com boa vendagem. Mas eu estava constrangido porque
em seis anos muita coisa nova aconteceu e o livro, em alguns aspectos, estava
datado. Esse trabalho superou as expectativas e no final percebemos que, na
verdade, trata-se de um novo livro. A colaboração dos especialistas é inédita.
Eu acho que este livro está melhor acabado do que o de 2005.


RIO+20


EcoD: Essa nova edição foi inspirada
na Rio+20?


Trigueiro: Não era essa a intenção. O livro era para ter sido lançado há dois
meses, mas houve um atraso no processo de revisão. Quando o livro ficou pronto,
percebi que, pela multiplicidade de temas importantes na área do universo
socioambiental, ele contempla a agenda da Rio +20 sem ter sido essa a intenção
original.


EcoD: E o que o senhor espera da
cúpula?


Trigueiro: (Suspiro). Eu espero que seja algo mais do que uma terapia de grupo, em
que todo mundo diga como deseja a mudança, o que precisa ser feito, mas não
sacramente uma posição, nem assuma compromisso. Porque o diagnóstico já existe,
todo mundo sabe o que deve ser feito. O mundo tem pressa nas medidas efetivas.
Esse é o risco da Rio+20: ser mais um cúpula onde vai haver os discursos mais
emocionantes e não se consiga acelerar o processo. Esse é o grande desafio. Não
podemos sair da cúpula como a gente entrou.


EcoD: Muitos especialistas temem que
seja uma cúpula que somente analise o que foi feito nos últimos 20 anos, desde
a Rio 92…


Trigueiro: Pelo que eu entendi, a pauta é discutir o que seria uma economia verde
e procurar promover um encontro das expectativas do terceiro setor, que se
reúne antes para formatar propostas para os chefes de estados. Daí para frente
não se sabe o que vai acontecer. Mas não podemos esperar que a Rio+ 20 seja uma
grande conversa sobre 20 atrás, a gente tem que avançar. O que é incrível é que
já sabemos o que está errado e o que precisa ser feito. Falta fazer.


DESAFIOS NACIONAIS


EcoD: A conferência acontecerá no
Brasil em meio algumas polêmicas sobre políticas ambientais consideradas como
retrocesso, como a possível aprovação do novo Código Florestal. Quais são os
principais desafios ambientais do país?


Trigueiro: Uma questão você já levantou, nós temos ainda uma dúvida sobre o que
será o texto do novo código florestal. Ele ainda passa por uma última etapa no
Congresso antes de ir à sanção presidencial. A presidente Dilma já disse que o
Novo Código não será o dos sonhos dos ruralistas, mas também não será aquele
considerado o ideal pelos ambientalistas. O que vai ser ela não disse. Há uma
expectativa nesse sentido. É importante que a gente faça esse link entre o
código florestal e as metas que o Brasil assumiu voluntariamente, formatadas em
lei, de redução de emissões de gases estufas através da redução do
desmatamento. Tenho a convicção de que a presidente Dilma tem essa preocupação,
de que como anfitrião (da Rio+20) não podemos aprovar um novo código que coloca
em risco o cumprimento de uma lei. Ele não pode significar a redução das áreas
vegetadas do Brasil.


EcoD: E além do código?


Trigueiro: Os outros quesitos eu acho que a gente avança. Nós temos no Brasil a
vantagem estratégica de ter uma matriz energética majoritariamente renovável. É
preciso consolidar essa posição e manter a meta de não sujar com mais
combustível fóssil a nossa matriz. O Brasil foi um dos países que mais
cresceram no mundo no incremento da energia eólica nos últimos anos. É uma
referência na área do biocombustível, etanol e biodiesel. E o Brasil precisa,
enquanto megaprodutor de petróleo com a descoberta pré-sal, ser referência em
segurança. Todo o protocolo de segurança que envolve que a exploração do
petróleo nessa camada requer a atenção, porque há lacunas importantes. Uma
delas, diz respeito ao papel da Agência Nacional do Petróleo (ANP). As agências
reguladoras foram criadas para ter autonomia, funcionar sem a tutela do Estado.
A partir do Governo Lula, elas tiveram o seu poder de agência esvaziados.
Alguns especialistas denunciam uma fragilidade no arcabouço jurídico para uma
ação firme de monitoramento e fiscalização das petroleiras no Brasil. E isso é
um problema. A gente precisa ter uma clareza sobre o papel dessas agências.


EcoD: De certa forma, tivemos
recentemente um vazamento que evidencia isso…


Trigueiro: Quais dos três? Nas minhas contas, foram ao menos três vazamentos
recentemente…


EcoD: O do próprio pré-sal.


Trigueiro: Não, mas antes, sem ser pré-sal que é mais preocupante pois a
complexidade é maior, teve o vazamento da Chevron e o de outra companhia na
Baía de Ilha Grande. Os três têm em comum o fato de terem acontecido muito
próximo uns dos outros e as circunstâncias, principalmente nos dois primeiros,
não devidamente esclarecidas. É muito importante termos a vigilância, a
sociedade se dá conta de que a atividade de petróleo é arriscada em todo o
mundo. Talvez não se tenha feito todos os esforços necessários para reduzir ao
mínimo esse risco.


EcoD: Recentemente o brasileiro
Braúlio Dias foi indicado para assumir o cargo de secretário de biodiversidade
da ONU, demonstrando o reconhecimento da intenção brasileira de liderança
internacional na questão ambiental. O país está preparado para assumir esse
papel?


Trigueiro: Com certeza. O mundo mudou. Esse mundo, que a gente vê na geografia
institucional da ONU, caducou. O Brasil se destaca pelo seu território,
população e economia como um país que tem uma vocação natural para assumir um
papel mais importante do aquele que lhe foi atribuído no pós-guerra. É
perfeitamente compreensível esse protagonismo.


EcoD: Há muito que se fala sobre o
equívoco que é o modelo de consumo desenfreado. Na semana passada, um relatório
do Ipea destacou que o crescimento econômico não pode ser fundado nos recursos
naturais. Está havendo uma mudança de consciência real ou ainda se enxerga a
preservação ambiental como marketing?


Trigueiro: Há uma mudança de consciência. Agora, é importante que essa mudança
seja percebida nas diretrizes da política econômica. Fico satisfeito em
perceber que cresce o número de economistas que ousam desafiar o pensamento
econômico prevalente, o qual ainda insiste em demonstrar que não há limite para
capacidade dos ecossistemas suprirem a humanidade de matéria-prima, energia e
água. Economia pensa muito em fluxo, mas não pensa em estoque.


INFORMAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE


EcoD: Na análise que fez da mídia no
seu livro Meio Ambiente no Século XXI, o senhor afirmava que a avalanche de
informações perturbava a capacidade de discernir o que é essencial. Esse quadro
já mudou? Como o senhor avalia a cobertura ambiental nesses últimos anos?


Trigueiro: Eu acho que houve um agravamento com um novo gênero de vício, que é a
internet. Nós temos um problema: de tão fantástica que é a capacidade de se
comunicar rapidamente com tanta gente através das redes sociais, muitas pessoas
não tem controle desse processo e passam longas horas no computador, o que
exaure a capacidade de elaborar a compreensão da realidade. Nesses últimos dez
anos, tivemos fatores de dispersão agravados.


Eu não gosto de usar expressão
jornalismo ambiental. Eu não sou jornalista ambiental, eu sou jornalista
interessado nos assuntos da sustentabilidade. Parece que o jornalismo em si não
contempla ou não deveria prestar muito atenção assuntos ambientais, porque
disso cuida o jornalista ambiental. Esse fracionamento não é, para mim, real.
Esse esquartejamento não deixa compreendermos uma realidade sistêmica. Se a
gente começa a fechar o foco em fragmentos, a compreensão dessa realidade se
dilui.


Os jornalistas, progressivamente,
estão começando a entender que meio ambiente não se reduz a bichinho e floresta.
Já há uma percepção que quando se discute uma pauta ambiental, estamos
discutindo um modelo de civilização, ética no desenvolvimento, qualidade de
vida, saúde e bem-estar, o direito de todos os seres. Estamos evoluindo,
estamos conseguindo perceber que nem tudo é possível explicar no lead. E que
existem meios no texto jornalístico de aludir à visão sistêmica.


EcoD: O jornalismo ambiental, ao
defender a preservação ambiental, quebra o dogma da parcialidade, tão defendido
nos cursos de comunicação. A sociedade estranha o “tomar partido” jornalístico?


Trigueiro: Há questões sobre as quais os jornalistas devem ser parciais. Não é
possível, no jornalismo, a gente achar que a corrupção tem dois lados: um bom e
um ruim. Portanto, dentro da linha editorial de um veículo de comunicação,
jamais será possível tolerar qualquer acolhimento da corrupção como uma ideia
possível, uma prática perdoável. Segundo exemplo: a escravidão. Ainda existe
escravidão no Brasil e no mundo. Não há dois lados da escravidão. Em qualquer
circunstância, ela é abominável e deve ser condenada. O mesmo se aplica aos
assuntos da sustentabilidade. Se a gente entende sustentabilidade como condição
da nossa sobrevivência em um planeta com recursos finitos, teremos que
repactuar a maneira como nos relacionamos com a natureza. Nesse sentido,
sustentabilidade é a senha para que possamos todos viver nesse mundo,
inspirados no que Gandhi disse: “A terra possui o suficiente para garantir a
necessidade de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens”. Sendo
assim, não é possível condenar a ideia da sustentabilidade. Se não
reconfigurarmos os modelos, vamos perecer.


EcoD: Você acredita que ainda dá
tempo de evitar esse ecocídio?


Trigueiro: Nós não somos suicidas. A história mostra que o ser humano sempre
avançou com muito vagar em direção a uma consciência mais acurada da realidade,
mas a gente sempre mudou rápido quando o que estava jogo era nossa
sobrevivência. Porque aí não tem discussão. De uma forma ou de outra, a gente
vai alcançar o objetivo. A forma ideal é não esperar acontecer o pior para
mudar. A gente deve deixar de priorizar o lucro imediato, a acumulação absurda
de bens e recursos no menor tempo possível, que é o mantra do capitalismo. A
outra maneira é pela dor, pela escassez. E não é justo que seja assim porque já
temos um estoque de conhecimento, de tecnologia, suficiente para dar esse
salto.


* Publicado originalmente no site EcoD.



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