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Espaço de diálogo e socialização das diversas iniciativas realizadas no âmbito de ações e projetos da Universidade Federal do Pará, dando visibilidade aos movimentos de mudança e alargando para novas idéias e laboratórios de criatividade e cidadania. Pretende-se construir um ambiente interativo de partilha, que permita a disseminação de uma cultura da sustentabilidade, economia solidária e responsabilidade social.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

ARTIGOS



OPÇÃO PELA SUSTENTABILIDADE



Por Alberto Teixeira da Silva



Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Planejamento do Desenvolvimento – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA.



O debate público em torno da sociedade, economia, política, ecologia e cultura tem desencadeado um conjunto de preocupações relativas à sustentação da biosfera e possibilidades de segurança humana no mundo globalizado. O impasse ecológico pode ser apresentado como problema transversal, fluindo no âmago da lógica e princípios do mundo capitalista. Nesses tempos de agravamento das condições climáticas do planeta e perspectivas sombrias projetadas pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) – criado, em 1988, pela Organização Meteorológica Mundial e pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) – sobre os efeitos devastadores do aquecimento global, a crise do modelo de produção e consumo atual põem em xeque, de forma aberta e radical, o projeto de modernidade baseado no progresso técnico e material ilimitado, construído a partir do século 15, com os grandes descobrimentos e expansão ultramarina dos países colonizadores, impulsionada pelo paradigma cartesiano que estabeleceu as bases da ciência moderna.


Na arena pós-eleitoral brasileira, desenha-se um dos dilemas vitais da contemporaneidade: afinal, precisamos da retomada do crescimento econômico ou de uma política de desenvolvimento que atenda aos pressupostos da sustentabilidade, na perspectiva de conciliar produção econômica, prudência ecológica, democracia, diversidade cultural e justiça social? A agenda da sustentabilidade vem-se configurando desde a década de 1970, com a realização da Conferência de Estocolmo, a primeira da ONU sobre Meio Ambiente, promovida em 1972, como marco da governança ambiental contemporânea em escala planetária. Foi, de fato, o primeiro grande esforço de caráter global, envolvendo os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, tendo em vista um diagnóstico bastante preocupante que apontava para a deterioração crescente dos ecossistemas e a degradação das condições da biosfera. Esse acontecimento político representou, em grande parte, o resultado das forças do ambientalismo e do caldo de cultura dos tempos rebeldes, que marcaram a década de 1960.


Em 1973, Maurice Strong utilizou, pela primeira vez, o conceito de ecodesenvolvimento para caracterizar uma concepção alternativa de política de desenvolvimento. Veio depois a idéia-força do desenvolvimento sustentável, por meio do famoso Relatório Brundtland, também conhecido como Nosso futuro comum, publicado em 1987, sob a liderança da senhora Gro Harlem Brundtland, que presidiu a comissão criada pela ONU, em 1983. Este documento ocupa um lugar central no debate contemporâneo sobre meio ambiente.


Nas palavras da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias”. A compreensão do paradigma da sustentabilidade passa, de forma inevitável, pela perspectiva complexa e multidimensional. A sustentabilidade planetária, não por acaso, aparece em primeiro lugar: trata-se de uma questão vital para a manutenção da vida terrestre, medida de caráter global que extrapola as fronteiras territoriais estatais, notadamente a redução na emissão de gases que contribuem para o aquecimento da terra, a diminuição dos desmatamentos, o aproveitamento da biodiversidade, com base na difusão de tecnologias direcionadas para uma nova matriz produtiva, e a preservação do patrimônio biogenético.


A sustentabilidade cultural se expressa na pluralidade dos grupos sociais e no reconhecimento da diversidade de ações e comportamentos dos vários segmentos que formam uma determinada sociedade. A sustentabilidade social aponta para uma melhor distribuição de renda, diminuindo desigualdades e elevando a qualidade de vida das pessoas. A universalização dos direitos sociais e o acesso a bens e serviços públicos são condições objetivas para medir o avanço da cidadania num contexto de democratização da ordem pública. Entre os desafios da sustentabilidade social estão as ações promotoras de inclusão de setores marginalizados, as alternativas de produção e a geração de renda e o combate à fome.


A sustentabilidade política passa, necessariamente, pela construção da cidadania, resumindo-se em dois objetivos: a democratização da sociedade e a democratização do Estado. A dimensão institucional da sustentabilidade do desenvolvimento requer, por sua vez, uma engenharia que modele instituições segundo desenho coerente e funcionalmente adequado às exigências modernas de eficiência, capacidade de regulação e instrumentos de planejamento.


O caráter abrangente da sustentabilidade propicia diferentes ângulos de percepção da realidade, lapidando situações específicas e propondo mudanças de rumo nas políticas de desenvolvimento. Certamente, o Brasil precisa voltar a crescer, o que é necessário e urgente, mas não é condição suficiente para garantir um padrão societário que promova a inclusão dos segmentos mais vulneráveis e em situação de risco, gere empregos saudáveis e de qualidade, distribuindo renda e restaurando o equilíbrio entre homem e natureza. Afinal, não seria esse o ideal de um Brasil próspero e desenvolvido? No entanto, o crescimento econômico não pode ser perseguido como panacéia para os graves problemas nacionais. Como disse Celso Furtado, um dos mais brilhantes economistas brasileiros, “só haverá verdadeiro desenvolvimento – que não se deve confundir com crescimento econômico, no mais das vezes resultado de mera modernização das elites – ali onde existir um projeto social subjacente”.


Por vezes, os arautos do neoliberalismo proclamam o crescimento econômico sustentável (sic!) como inexorável caminho rumo ao progresso material e inserção mundial. A racionalidade econômica dominante tem uma visão mercantil voltada para a acumulação de riqueza, que não garante o bem-estar coletivo, pois, para que isso ocorra, o fator decisivo e essencial é o uso que uma coletividade faz de sua riqueza, e não a riqueza em si. A atribuição do Prêmio Nobel da Paz de 2006 ao bengalês Muhammad Yunos e seu Banco (Grameen Bank), pioneiro na implementação do microcrédito para pessoas em extrema pobreza, mostra como uma arquitetura sociofinanceira pode estar a serviço de uma economia solidária, subvertendo a lógica da apropriação pela lógica da repartição do capital social, em que a riqueza se torna instrumento de promoção de cidadania e motor de dignidade humana.


A sociedade brasileira já conheceu fases de crescimento econômico acelerado no início da década de 1970, na qual se pregava que o bolo deveria crescer para depois ser distribuído. Essa aventura deixou um rastro de estagnação produtiva, perversidade social e degradação ambiental sem precedentes na história recente do Brasil. Nesse período, a Amazônia foi alvo emblemático da ideologia desenvolvimentista que pregava o crescimento a qualquer custo, e as florestas eram tidas como obstáculo ao desenvolvimento regional e nacional. Sabemos do curso desse processo destrutivo, ao qual, infelizmente, ainda estamos submetidos.


O desafio brasileiro no mundo globalizado consiste no aproveitamento de suas vantagens comparativas (recursos hídricos, biodiversidade, multiculturalismo, energias renováveis etc.), subordinando o crescimento da economia ao modelo de sociedade igualitária, na qual devem ser forjados os novos padrões de sociabilidade humana, pautados na democratização dos espaços públicos e na satisfação das necessidades básicas da população. A Amazônia brasileira (que representa 70% da Amazônia sul-americana) detém a maior bacia hidrográfica do mundo e concentra 20% de toda a disponibilidade de água doce do planeta. As florestas tropicais brasileiras são consideradas imensas fronteiras de megabiodiversidade, patrimônio incalculável de recursos de flora e fauna – insumos para experimentos na área de biotecnologia e banco genético estratégico no campo da pesquisa científica global.


A constituição multicultural do povo brasileiro é um forte apelo histórico e simbólico para a afirmação da identidade étnica no plano da diplomacia mundial. Recursos oriundos da biomassa e fontes energéticas renováveis colocam o Brasil como uma das lideranças do novo modelo de convivência entre nações e civilizações. O Brasil, como potência ambiental internacional, precisa assumir o compromisso ético com as futuras gerações e fazer a opção pela sustentabilidade.


Os movimentos ecológicos são legítimos guardiões do valioso patrimônio ambiental desse país e responsáveis diretos pelos avanços obtidos na formulação de políticas públicas em prol da proteção de nossas riquezas ecossistêmicas. Pelas potencialidades intrínsecas da maior fronteira de recursos naturais do planeta, a Amazônia é, certamente, um espaço estratégico para repensar uma política nacional de desenvolvimento sustentável, além dos serviços ambientais vitais (seqüestro de carbono, ciclos hidroquímicos etc.) que proporciona para a governança climática regional, nacional e global. Urge um choque de políticas públicas sustentáveis para a sociedade brasileira no século 21.

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