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Espaço de diálogo e socialização das diversas iniciativas realizadas no âmbito de ações e projetos da Universidade Federal do Pará, dando visibilidade aos movimentos de mudança e alargando para novas idéias e laboratórios de criatividade e cidadania. Pretende-se construir um ambiente interativo de partilha, que permita a disseminação de uma cultura da sustentabilidade, economia solidária e responsabilidade social.

sábado, 21 de maio de 2011

ARTIGOS

RESPONSABILIDADES CLIMÁTICAS COMPARTILHADAS


O sonho americano é absolutamente inviável



Por Alberto Teixeira da Silva


Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Planejamento do Desenvolvimento – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA.



O ano de 2007 foi emblemático na história da humanidade. A divulgação do 4° Relatório de Avaliação (AR4) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) significou um verdadeiro ponto de inflexão na política mundial ao reafirmar, com propriedade e base científica, que os fatores determinantes no aumento das temperaturas médias do planeta são derivados das ações humanas, provenientes da industrialização e destruição das florestas.


O anúncio bombástico do documento preliminar apresentado em fevereiro, em Paris, mostrando cenários turbulentos, instabilidades econômicas, perdas humanas e materiais, causou frisson nos veículos de mídia, circuitos de poder e mercados financeiros. O alarde serviu para dar visibilidade aos que há muito tempo vêm questionando o modelo de sociedade vigente. A denúncia dos ambientalistas dos perigos da poluição atmosférica na década de 1980 metamorfoseou-se numa questão sistêmica promotora de desequilíbrios transnacionais, que ignora recortes geográficos, culturas e raças.


A intensificação das mudanças climáticas na contemporaneidade expõe, de forma visceral, a emergência de uma sociedade de risco. O sociólogo alemão Ulrich Beck expõe que essa construção societal, pensada até suas últimas conseqüências, manifesta uma sociedade de risco global, pois seu principio axial, seus desafios, são os perigos produzidos pela civilização que não pode delimitar-se socialmente, nem no espaço, nem no tempo. A dinâmica das sociabilidades humanas está sendo afetada pela insegurança trazida pela modernidade reflexiva derivada dos riscos tecnológicos e sociais: degradação ambiental, lixo e usinas nucleares, urbanização desenfreada, violência, criminalidade e miséria.


Reina uma sensação de perplexidade no bojo de revoluções ininterruptas que moldam transformações radicais e aceleradas no ventre da globalização, que promete integração e progresso, mas que impõe, de forma brutal, desigualdades entre civilizações, países e indivíduos, cultua padrões de produção e consumo insustentáveis e banaliza valores e princípios éticos fundamentais.


Mudanças climáticas fazem parte de um conjunto de danos globais que estão esgotando o estoque de recursos naturais, minando a capacidade de renovação dos ecossistemas e modelando o futuro das sociedades num ritmo alucinante, balizadas pela racionalidade instrumental do crescimento e maximização do lucro: o mainstream econômico neoliberal. A lógica da acumulação capitalista, alheia aos constrangimentos e impactos socioambientais, desencadeia um turbilhão de externalidades traduzidas em custos que são internalizados pelo conjunto da sociedade. A apropriação indiscriminada e irresponsável do capital natural dilapida o patrimônio público e impede o acesso coletivo aos bens de usufruto coletivo.


Não há como disfarçar o tremendo mal-estar da sociedade moderna, diante da irreversibilidade das ameaças e conseqüências sombrias cada vez mais reflexas do atual paradigma de desenvolvimento perdulário e consumista. O influente e renomado cientista James Lovelock, pioneiro nas denúncias dos problemas ambientais globais – que criou um aparelho que ajudou a detectar o buraco crescente na camada de ozônio –, tem afirmado que a raça humana está condenada e a era dos extremos climáticos veio para ficar. A revolução dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) já deixou marcas fatais e definitivas na aventura dos humanos no planeta Terra.


Um recado foi dado com o filme Uma Verdade Inconveniente, onde Al Gore expõe uma diversidade de fenômenos que já estariam causando prejuízos incalculáveis e comprometendo a segurança humana, cujo roteiro dramático já lhe rendeu duas premiações (Oscar de Melhor Documentário e o Nobel da Paz de 2007, ao lado do indiano Rajendra Pachauri, presidente do IPCC). O ator Leonardo Di Caprio pega carona na defesa da ecologia no documentário A Última Hora. O filme exibe um painel dos problemas ambientais globais e aponta alternativas concretas de minimizar as graves conseqüências do aquecimento do planeta.


Com efeito, a questão das mudanças climáticas está contemplada, de forma singular, na agenda da governança mundial (com o importante papel da ONU na construção de diálogos possíveis), constituindo capítulo crucial na pauta de responsabilidades de caráter planetário. Na gestão desse impasse, torna-se imperativo a divisão de responsabilidades que devem ser comuns e compartilhadas, porém diferenciadas. Países que mais se beneficiaram com o padrão de desenvolvimento produtivista e destruíram suas florestas deveriam assumir custos financeiros bem maiores e reduzir suas emissões de forma mais agressiva, especialmente os Estados Unidos, responsáveis por cerca de 30% das emissões globais de GEEs (gases do efeito estufa).


O sonho do american way of life é absolutamente inviável como modelo a ser seguido por outros países. A comunidade internacional não pode admitir que o governo americano continue indiferente ao agravamento da crise climática, agora mais isolado e pressionado pela adesão da Austrália (durante anos aliado dos EUA nesta questão), conforme declarações do novo primeiro-ministro do Partido Trabalhista, Kevin Rudd.


O Protocolo de Quioto, ratificado em 2005, apesar de representar avanço na cooperação multilateral com a criação do mercado global de carbono, no qual os países ricos que excedem em suas emissões podem compensá-las investindo em projetos que ajudem a controlá-las nos países pobres, através da compra de certificados de redução, precisa ser repensado à luz das novas exigências de mitigação e adaptação preconizadas pelos cientistas do IPCC.


Prioridades em investimentos públicos e privados consoantes com tecnologias limpas e eficientes, democratização do conhecimento e ajuda humanitária são algumas das demandas e decisões políticas necessárias para o fortalecimento dos mecanismos de governança climática. De acordo com o Relatório Stern, calcula-se que o combate ao aquecimento global tem um custo hoje de US$ 7 trilhões em dez anos, e que os gastos para estabilizar a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa seriam equivalentes a 1% do Produto Interno Bruto mundial até 2050.


Países em desenvolvimento também devem assumir responsabilidades, inclusive com metas de redução das emissões nacionais. Vale lembrar que, segundo previsto no Protocolo de Quioto, somente os países do anexo I (desenvolvidos) têm compromisso de metas/redução dos GEEs. Todavia, o Brasil, pela influência que exerce junto ao G-77 (principal aliança de países emergentes), poderia assumir a liderança desse bloco na construção de modelos energéticos alternativos, baseados na utilização de fontes renováveis (sol, vento, biomassa), além do desafio maior de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, que responde por 2/3 das emissões brasileiras.


As florestas representam arenas privilegiadas dos conflitos e pressões endógenas e exógenas que tornam vulneráveis os argumentos brasileiros nas negociações internacionais. O cenário de savanização (vegetação de cerrado) apontado como provável por cientistas brasileiros caso continue a forma brutal de exploração da natureza na região amazônica, atrai preocupações planetárias e sacrifica duramente as populações tradicionais e ribeirinhas, sobretudo os segmentos mais sensíveis que dependem diretamente dos corredores hídricos e da biomassa.


A produção planejada e participativa de biocombustíveis – o Brasil é o maior produtor mundial de etanol obtido da cana-de-açúcar e tem fantástica diversidade de oleaginosas (soja, dendê, mamona, girassol, algodão, canola, pinhão manso etc.) –, valoração da floresta em pé, proteção da sociobiodiversidade e aproveitamento inteligente dos serviços ambientais são trunfos decisivos para as pretensões desse país tropical para projetar-se como player estratégico no tabuleiro da crise ecológica mundial.


A ideologia desenvolvimentista ainda é hegemônica e os países parecem não querer abdicar de padrões de bemestar ditados pela modernidade capitalista, ainda que todos saibam o tamanho do débito com a vida na biosfera. Longe das manchetes sensacionalistas que pregam o fim do mundo e miragens apocalípticas, a gestão da crise climática exige visão de ruptura radical e progressiva na direção de um design (desenho e projeto) civilizatório orientado por concepções e práticas sustentáveis: do local ao global.

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