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Espaço de diálogo e socialização das diversas iniciativas realizadas no âmbito de ações e projetos da Universidade Federal do Pará, dando visibilidade aos movimentos de mudança e alargando para novas idéias e laboratórios de criatividade e cidadania. Pretende-se construir um ambiente interativo de partilha, que permita a disseminação de uma cultura da sustentabilidade, economia solidária e responsabilidade social.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O dia mundial da água deve ser momento profundo de reflexão sobre o nosso padrão perdulário de produção e consumo, diante da finitude dos recursos da mãe-natureza. Ao contrário do discurso da abundância, a utilização predatória dos recursos hídricos na Amazônia, pela inoperância do poder público e visão geopolítica míope das elites políticas, colocam em risco a satisfação das necessidades básicas das atuais e futuras gerações. O texto abaixo de Leonardo Sakamoto é um convite para se repensar um dos grandes desafios deste século 21.
Alberto Teixeira

Acho ótimo que pessoas e empresas estejam engajadas para o Dia Mundial da Água, que se comemora hoje. Portanto, essa onda para não
ser apenas uma ação de marketing no calendário anual da lavagem de marca é preciso de substância. Até porque água é um bem escasso e não pode ficar sendo usado para retirar manchas que só vão ser removidas com ações reais que mudem a forma como se faz negócios e não apenas perfume o que está sujo. E não é apenas o uso racional do que se retira do meio ambiente, pois água não serve só para cozinhar, tomar banho ou fazer cerveja. Resgato debates que já fiz aqui para aproveitar a efeméride.


Não estou menosprezando o problema causado pela retirada de água do ambiente, sem uma devida análise dos impactos. O lençol freático de muitas localidades produtoras de frutas no Brasil está cada vez mais baixo por conta da irrigação. Em outros locais, há brigas antigas com
fábricas de bebidas por conta dos baixos valores pagos para a utilização do recurso. Há ainda a situação de projetos de irrigação de pequenos proprietários que estão parados porque ninguém tem grana para pagar a conta da água no final do mês. Mundo maluco? Nada, faz sentido – a gente é que não percebe.

Mas pensar racionalmente a água passa por racionalizar a construção de grandes hidrelétricas, que afogarão comunidades ribeirinhas ou indígenas em algum lugar ou irão maltratar trabalhadores nos
canteiros de obras, em detrimento a apostar em formas mais limpas de produzir energia – que hoje são caras por falta de investimento. Ou a contaminação de rios, córregos e lençóis freáticos com agrotóxicos, um problema lento, que vai se acumulando com o tempo de forma silenciosa e discreta.

Muito tempo atrás, durante as brigas do amianto, um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores trouxe um pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que defendiam as
empresas. O amianto, acusado de causar danos à saúde dos trabalhadores, circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo… Quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os padrões mínimos é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento, em algum lugar. Em pontos de recarga do Aquífero
Guarani, aquele conjunto de reservatórios subterrâneos no Centro-Sul do Brasil e Mercosul do tamanho de um mar, já se constata contaminação e em áreas de atividade intensiva de químicos na agricultura.

Ou, por outra, o padrão é o mesmo do amianto: se o problema está longe, ele é um não-problema. Não sou eu que vou manusear os
pesticidas mesmo, não sou eu que vou ter minha casa inundada por uma
hidrelétrica e nunca ser ressarcido, não sou eu que vou ser acusado de não cuidar da cadeia produtiva da água. Na melhor linha, do “só é errado se te descobrem”.

Ninguém considera que quando demando um produto, mesmo que não possua água diretamente em sua fórmula, sou responsável pela
forma como ele foi feito – incluindo a água usada em sua fabricação. Banho curto, não lavar a calçada com a mangueira, usar sistemas de descarga mais inteligentes são importantes. Mas são apenas a ponta do iceberg. A capacidade do consumidor de dizer não para empresas que criam os mais diferentes impactos na água do planeta, impactos que, às vezes, não estão à mostra, pode fazer uma diferença gritante no final das contas.

Afinal, a vida se conecta pela água – mas também pode ser por ela destruída.

* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.





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